terça-feira, 31 de março de 2015

A redução da Maioridade Penal e a proibição do retrocesso social


O dia 31 de março de 2015 termina com a notícia de que a Câmara de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados analisou a constitucionalidade, a legalidade e a técnica legislativa e aprovou o projeto (PEC 171/2013) que propõe a redução da maioridade penal, atualmente estabelecida em 18 (dezoito) anos, para 16 (dezesseis) anos completos.

Agora é o próximo passo. Uma Comissão Especial deverá ser criada para analisar todo o conteúdo da proposta inicial, assim como todas as outras emendas que foram apresentadas desde o ano de 2013, ou seja, durante os 22 anos de tramitação da PEC n.º 171. (Ressalto que o número 171 atribuído à PEC não tem relação direta com o artigo, de mesmo número, que tipifica penalmente o crime de estelionato na lei penal brasileira – ou não).

Difícil compreender. Quando da promulgação da Constituição Federal, datada de 1988 (27 anos incompletos), e da sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990 (25 anos incompletos), havia uma compreensão deveras diferente do projeto (PEC n.º 171/1993) que tem a mesma média de idade (22 anos).

Naquele momento a intenção do legislador foi sim de impossibilitar a alteração da idade penal. Não foi por acaso que seu intuito ficou estabelecido expressamente na Carta Magna Brasileira, através do artigo 228:

“art. 228 – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

O legislador determinou que os adolescentes estivessem sujeitos a legislação especial, considerando, principalmente, a sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.

Somente os maiores de 18 anos seriam considerados imputáveis. Somente estes.

O Código Penal Brasileiro determina, em seu art. 27, que:

“art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas da legislação especial”.

Desde 1984 (29 anos incompletos), com a alteração do Código Penal Brasileiro, através da Lei n.º 7.209/84, assim ficou determinado.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069/90, em seu art. 104, mantém o mesmo posicionamento:

“art. 104 – São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medias previstas nesta Lei”.

O projeto (PEC n.º 171/93) aprovado em 31 de março de 2015 contraria todo o entendimento normativo brasileiro.

Um trabalho de anos, uma evolução normativa construída por muitas mãos, a duras penas, sob a ameaça de ser rasgado, dilacerado, ferido.

O Brasil desde 1959 anda atrasado e se atrasando. Naquele ano, o mundo aprovou por unanimidade a Declaração Universal dos Direitos da Criança, que só veio a ser Promulgada 26 anos depois, através do Decreto-Lei n.º 99.710/90.

A inimputabilidade tem guarida constitucional e amparo legal.

A Constituição Federal estabelece em seu art. 60, §4.º, IV, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias fundamentais.

Não responder criminalmente, é direito fundamental do adolescente.

Alexandre de Morais defende que “Essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em Juízo.”[1]

A inimputabilidade penal compõe o elenco de direitos fundamentais das crianças e do adolescente, trata-se de cláusula pétrea. Não há matéria a ser discutida.

A Capacidade Penal é definida a partir da aptidão para que possa ser entendido o caráter lícito ou ilícito de determinado fato, assim como a de determinar-se a partir deste conhecimento.

Mas como falar de capacidade sem analisar e questionar a própria capacidade do Estado em apenas cumprir o quantum estabelecido na legislação vigente?

O Estado sim é incapaz! Incapaz de implementar políticas públicas destinadas à criança e o adolescente.

Não é competente, sequer, em afiançar os direitos garantidos pela Constituição Federal. Não consegue garantir educação de qualidade, serviços dignos de saúde, alimentação adequada, lazer, cultura, estrutura familiar, além de tantas outras garantias estabelecidas na Carta Magna.

Deveria o Estado ser condenado por ferir a Constituição. O Estado e seus Gestores. E não os adolescentes.

Todas as vezes que o Estado fracassar será assim? Irá promover uma alteração normativa, preferencialmente penal, para “resolver” o “problema”?

Reduzir a maioridade penal seguramente não promoverá a redução da criminalidade. A Política Criminal não precisa disso.

Reduzir a maioridade penal configura, evidentemente, o retrocesso social, que deveria ser rechaçado pela legislação brasileira e seus aplicadores. Uma norma poderá sim substituir outra, desde que mantenha a garantia do “núcleo essencial” de tal garantia essencial, neste caso a inimputabilidade penal aos menores de 18 anos.

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[1] MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005

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Batista, Aline. A redução da Maioridade Penal e a proibição do retrocesso social. Salvador, BA. 31 de março de 2015. Disponível em http://alinebatistaadv.blogspot.com.br/2015/03/a-reducao-da-maioridade-penal-e.html

sexta-feira, 24 de maio de 2013


Pagamento da Despesa Pública e Comprovação de Regularidade Fiscal e Trabalhista

Palavras-chave: Regularidade Fiscal. Regularidade Trabalhista. Lei n.º 8.666/93. Lei Estadual/BA n.º 9.433/05. Pagamento Despesa. Direito Administrativo.

O questionamento principal para o início do presente trabalho norteia a obrigatoriedade ou não da apresentação da documentação probante de regularidade fiscal e trabalhista por parte da empresa contratada pela Administração Pública, seja como condicionante para a habilitação do ente a ser contratado a partir da realização do adequado procedimento licitatório, sendo este vencedor, assim como a devida instrução processual para o adimplemento de obrigações contraídas.

Tais requisitos deverão ser exigidos durante toda a execução do contrato, para compor cada processo de pagamento de despesas contraídas, mediante o pacto firmado entre a empresa e a Administração Pública, haja vista que a empresa contratada deverá apresentar as mesmas condições de regularidade fiscal e trabalhista quando do momento da habilitação no certame licitatório.

Quanto a exigência dos documentos probantes de regularidade fiscal[1], é assente o atendimento de que, consoante dispõe a Lei Estadual n.º 9.433/05, art. 98, II, como condição de habilitação para a formalização do instrumento proveniente do certame licitatório, como prevê a Carta Maior, a irregularidade fiscal produz o risco de que, a qualquer tempo, bens do licitante sejam apropriados para a satisfação de dívidas perante o fisco, o que, inclusive, poderá acarretar diretamente na manutenção da condição da habilitação no tocante ao equilíbrio econômico-financeiro.

Não há que se discutir a futurologia da inadimplência, contudo a irregularidade fiscal gera insegurança fiscal, insegurança ao próprio contrato, insegurança quanto a garantia de sua execução.

As condições estabelecidas como requisitos para habilitação do ente a ser contratado, objetivam conquistar a contratação de um determinado sujeito idôneo e confiável. O que não está regular sob a ótica fiscal não deverá possuir as mesmas condições que o ente que respeita e honra suas obrigações perante o fisco.

Expressamente determinado pela Constituição Federal, o art. 195 §3.º exige a regularidade fiscal quanto aos débitos de origem previdenciária como condição preliminar para a validade de quaisquer contratos perante a Administração Pública.

Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(...)
§ - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.”

Nos termos da Lei Estadual n.º 9.433/05 (art. 126, XVI) e da Lei Federal n.º 8.666/83 (art. 55, XIII), deverão ser emitidas, para promover a devida instrução processual para fins de pagamento de fatura/nota fiscal, as correspondentes certidões de regularidade fiscal, e ainda há necessidade de apresentação da certidão de regularidade trabalhista, em face da obrigação de prova de sua adimplência, requisitos do processo de pagamento.

Lei Estadual n.º 9.433/05
Art. 126 - São cláusulas necessárias, em todo contrato, as que estabeleçam:
(...)
XVI - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, inclusive de apresentar, ao setor de liberação de faturas e como condição de pagamento, os documentos necessários.” (grifo nosso)

Lei n.º 8.666/93
Art. 55 - São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.” (grifo nosso)

Não há o que se discutir quanto a obrigatoriedade de que sejam apresentados todos os comprovantes de regularidade fiscal e trabalhista durante toda a execução do contrato. O ente contratado deverá manter, em todos os aspectos, as condições de regularidade e que foi contratado, sendo o pagamento realizado de forma parcial / fracionado, ou único.

É importante salientar que os contratos administrativos a serem firmados deverão incluir cláusulas estabelecendo tais exigências, que igualmente deverão ser descritas nos respectivos Instrumentos Convocatórios (Editais de Licitação).

Cabe ressaltar que junto aos contratos celebrados com terceiros é facultada a Administração a possibilidade de promover a retenção dos pagamentos devidos, caso os entes contratados não sustentem, durante a execução do contrato firmado, a regularidade perante a seguridade social, consoante o art. 195 § 3.º da CF, assim como dispõe a deliberação contida no Acórdão n.º 1.299/2006 do Tribunal de Contas da União (TCU), que negou provimento ao recurso movido pelo TRT/RJ pelo Acórdão n.º 740/2004.[2]

Destaca-se ainda que este tipo de cláusula deverá produzir efeitos aos demais instrumentos, cartas-contrato, notas de empenho de despesas, autorização de compra, ou quaisquer outros, devendo ser o departamento de contratos de cada unidade da Administração responsável pela adoção das medidas pertinentes com a finalidade de promover a eficácia da determinação[3].

A regularidade trabalhista não tem previsão constitucional, contudo, Lei Federal estabelece como exigência a apresentação de Certidão de Regularidade Trabalhista (CNDT), ou ainda Positiva com efeitos Negativos, a partir da alteração da Lei n.º 8.666/93 art. 27, IV, pela Lei n.º 12.440/11, sendo exigida sua apresentação a partir de 04 de janeiro de 2012.

“Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:
(...)
IV - regularidade fiscal e trabalhista” (grifo nosso)

A Resolução Administrativa n.º 1.470/2011 do Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho regulamentou a matéria, e as Certidões poderão ser adquiridas através do sitio web do TST.[4]

A Lei Estadual n.º 9.433/05 não prevê tal exigência, contudo na omissão, a Lei Federal deverá suprir essa lacuna, na sua integralidade.

No tocante as certidões emitidas via internet, disciplinada pela Lei 10.522, art. 35, não há necessidade de que estas sejam chanceladas pelos órgãos emissores, contudo, pela garantia de sua veracidade, a autenticidade de toda certidão poderá ser conferida e a sua validade deverá ser certificada, sempre atestada por servidor público que conferiu a autenticidade.

“Art. 35. As certidões expedidas pelos órgãos da administração fiscal e tributária poderão ser emitidas pela internet (rede mundial de computadores) com as seguintes características:
I - serão válidas independentemente de assinatura ou chancela de servidor dos órgãos emissores;”

Uma observação especial faz-se necessária quanto a exigência da comprovação de regularidade trabalhista, a exigência da (CNDT) como condição para a composição dos processos de pagamento de despesas contraídas pela Administração Pública perante aos entes contratados: sua constitucionalidade.

Diversos são os questionamentos quanto a inconstitucionalidade da Lei 12.440/11, que inclui a exigência da recém-criada Certidão Negativa de Débito Trabalhista (CNDT) à Lei de Licitações, inserida como requisito ao inciso IV, do art. 27. Inclusive há ADI 4716 ajuizada no STF pela Confederação Nacional das Indústrias – CNI, para análise quanto ao posicionamento que deverá ser adotado.

A vertente contrária a manutenção da exigência da CNDT para a habilitação em licitações dos entes a serem contratados e a obrigatoriedade de sua apresentação para a composição dos processos de pagamento de despesas, como condição para o adimplemento de custos contraídos, alegam que trata-se de desvio de finalidade pois “a licitação não é instrumento para a cobrança de dívidas trabalhistas[5] e a garantia do pagamento das dívidas trabalhistas não é suficiente para legitimar a competitividade das licitações.

A habilitação destina-se a impedir que licitantes inidôneos contratem com a Administração e a licitação orienta-se a selecionar a proposta mais vantajosa”.[6]

Importante salientar que o Ministro Dias Toffoli, considerando a relevância da matéria, decidiu aplicar o rito abreviado para a tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4716, ajuizada no Supremo Tribunal Federal. Através do rito abreviado, previsto no art. 12 da Lei das ADIs (Lei 9.868/99), a matéria não passa pela análise do pedido de liminar, sendo resolvida diretamente em seu mérito.[7]

Enquanto não houver decisão do STF quanto a constitucionalidade ou não da Lei que n.º 12.444/11 que altera a Lei n.º 8.666/93, a exigência da apresentação de documento probante de regularidade trabalhista (CNDT), se mantém como condição para habilitação em processos licitatórios e para a formação do processo de pagamento e consequente adimplemento da despesa contraída pela Administração perante o ente público.

Diante da celeuma que se instaurou em face da obrigatoriedade ou não da apresentação de documentação probante de regularidade trabalhista pelo ente contratado pela Administração, não há o que ser discutido antes da decisão a ser proferida pelo STF, haja vista que a Lei 12.444/11 que alterou a Lei de Licitações (Lei n.º 8.666/93) está vigente.

Por fim, em caráter conclusivo, a legislação vigente impõe a análise da documentação do contratado, que é condição para o pagamento da despesa, que deve guardar relação com as exigências da habilitação da licitação, quer de regularidade fiscal, quer da regularidade trabalhista.

Deverão os documentos probantes de regularidade fiscal e trabalhista, obrigatoriamente, serem exigidos tanto para a habilitação da empresa no curso do processo licitatório, assim como diante dos processos de pagamento das despesas. O ente contratado deverá manter, durante toda a execução do contrato, as mesmas condições da habilitação no certame licitatório.



[1] Lei Estadual n.º 9.433/05 art. 100 estabelece quais são os documentos exigidos para a habilitação no tocante a regularidade fiscal. Obrigatoriamente deverá ser observada a exigência da apresentação do comprovante de regularidade trabalhista assim como determina a Lei Federal n.º 8.666/93 art. 27, IV
[2] Decisão n.º 705/1994 – “Nos contratos de execução continuada ou parcelada, a cada pagamento efetivado pela administração contratante, há que existir prévia verificação de regularidade do contratado com o sistema de seguridade social, sob pena de violação do disposto no § 3.º do art. 195 da Lei Maior”
[3] Tal matéria já foi alvo de discussão e pronunciamento do TCU, através da Súmula n.º 111:
Aos órgãos de Controle Interno cabe baixar Instruções e Recomendações para o regular funcionamento do Sistema de Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria, de modo que se criem condições indispensáveis para assegurar eficácia ao Controle Externo”.
[4] http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/handle/1939/15476
[5] Justen Filho, Marçal. Comentários à Leis de Licitações e Contratos Administrativos. 15.º ed. São Paulo. Dialética: 2012. (pg. 466)
[6] Idem
Referências

Hupsel, Edite Mesquita. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos do Estado da Bahia: Lei n.º 9.433 de 01 de março de 2005. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

Justen Filho, Marçal. Comentários à Leis de Licitações e Contratos Administrativos. 15.º ed. São Paulo. Dialética: 2012.

Batista, Aline. Pagamento da Despesa Pública e Comprovação de Regularidade Fiscal e Trabalhista. Salvador/BA. 24 de maio de 2013. Disponível em: http://alinebatistaadv.blogspot.com/

domingo, 12 de maio de 2013

Não à Pena de Morte! Sim à Vida! 


A sociedade mundial discute diariamente quanto a aplicação da pena de morte para determinados crimes em diversos países e diferentes culturas. Muitas são as interpretações e opiniões sobre o tema, porém a valorização à vida vem saindo vitoriosa nesse embate.
O direito à vida deveria se sobrepor a quaisquer interpretações quanto à aplicação de penas capitais aos indivíduos condenados.
No Brasil, a discussão acerca da adoção ou não da pena de morte em sua legislação, além de ser obrigatória a consideração de que trata-se de tema altamente inconstitucional. O art. 60 §4.º, IV da Carta Magna determina expressamente: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e as garantias individuais”.
A Constituição Brasileira proíbe, de forma expressa, a aplicação de tal sanção, tutelando a garantia a inviolabilidade da vida como regra geral e indiscutível. Ou seja, a pena de morte e a prisão perpétua não poderão ser reestabelecidas em quaisquer circunstâncias (art. 5.º XLVII, “a” e “b” CF).
De forma mais técnica, é impossível admitir quaisquer emendas à Constituição Federal Brasileira que venha a permitir a adoção da pena de morte no Brasil.
Ainda que se considerem exceções, como em casos de guerra, a inviolabilidade à vida é regra geral e indiscutível.
Antes de iniciar quaisquer discussões acerca da aplicação da pena de morte, é importante levar em consideração ao menos 03 (três) outros aspectos para a manutenção da sua abolição sumária:

1.    Há que se considerar que com a aplicação da pena de morte, quaisquer possíveis erros praticados pelo Poder Judiciário poderão ser reparados;
2.    Não é admissível que um país respeitado pela sua associação política e sua diplomacia, além da organização estatal se proponha a equiparar-se a baixeza da vingança e promover o nivelamento do Estado aos assassinos condenados.
3.    É possível promover a reeducação dos presos condenados, com a implantação de políticas públicas sérias de reinserção social, reabilitação e reeducação.

É assente o entendimento de que os presídios brasileiros não foram criados para o fim da “ressocialização”. O cárcere despersonaliza o homem, o “coisifica”, desumaniza. Os estabelecimentos prisionais, no modelo atual, promovem a segregação social e a reincidência criminosa. O objetivo de reintegração do preso à coletividade não é alcançado. A prisão também tem o seu “submundo”.
Para a reeducação é indispensável a reformulação na aplicação de novas políticas públicas. Cabe ao Estado promover à prevenção à criminalidade. Ao mesmo tempo, cabe ao mesmo Estado a aplicação de políticas eficazes de reeducação e reintegração do preso à coletividade.
Lutar pela não aplicação da pena de morte e pelo direito à vida, não é defender o criminoso. Trata-se de promover a defesa de uma sociedade regida por um sistema penal democrático e humanitário.
Não são devaneios. A luta é pelo Direito à Vida.
A tendência da política internacional é a preservação da vida como preceito fundamental a constituição de organismos internacionais. Todos os países que compõem a União Europeia têm como condição sine qua non a abolição da pena capital para a sua admissão no bloco econômico. A finalidade é de melhorar o respeito dos Direitos do Homem e reforçar assim a dignidade humana.
É inusitado reconhecer que os ditos “sub-países”, aqueles que compõem a América Latina, os que compõem o “sub-continente” Americano, já haviam abolido de forma sumária, sistemática e conjunta a pena de morte em suas legislações.
Parece paradoxal, mas a América latina saiu na frente, e o direito a vida já é garantido por aqui há algum tempo.
            Promover a discussão ainda é ser saudável. Contudo, levantar estandartes para a aplicação da pena capital no Brasil ou no mundo é, sem dúvida, regredir.
A luta pela garantia dos Direitos do Homem vem sendo árdua, dolorosa e incessante. Desistir disso sob a justificativa de que o Estado não é capaz de garantir a proteção do cidadão chega a ser deprimente. É dever do Estado garantir a repressão da criminalidade. É responsabilidade do Estado criar e manter um aparato investigativo e punitivo que venha agir de forma eficiente e justa contra os violadores, consequentemente desestimulando novas violações.
A vida é o pressuposto de qualquer outro direito.

terça-feira, 5 de março de 2013



A Lista Sêxtupla: quando o Advogado sai do exercício profissional para o mais alto cargo da Magistratura do Estado

Por Aline Batista, Advogada - Salvador-BA

A Lista Sêxtupla é a mais seleta lista definida pelo Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, neste caso da Seccional Bahia. É formada após consulta realizada à Classe dos Advogados. O Conselho Seccional homologará a lista que será formada pelo voto direto dos advogados em exercício e em dia com as obrigações financeiras, até 30 dias antes da votação.

Logicamente recaem sérias responsabilidades sobre os ombros de todos os membros do Conselho, ainda que lista seja novamente analisada pelo Tribunal de Justiça, sendo reduzida para uma lista tríplice, quando então o Governador do Estado virá a decidir qual o Advogado que irá compor o mais alto cargo da Magistratura do Estado da Bahia.

O Conselho da OAB/BA é composto por advogados que foram eleitos pela maioria dos seus membros, independentes e de ilibada reputação moral, seguramente convictos de suas responsabilidades e conscientes na escolha de quem irá compor a lista sêxtupla. A escolha normalmente é baseada, dentre aqueles que promoveram sua inscrição, a partir da análise do preenchimento de requisitos de extrema relevância, e que possam vir a representar à classe, e porque não à coletividade, dentro da tarefa difícil e cheia de percalços junto a mais alta Corte Judiciária do Estado. Mesmo considerando o notório saber jurídico, a reputação ilibada, o mais esperado é que o empossado destes novos poderes venha a proferir decisões nas bases da legislação vigente, fundada na Carta Magna Brasileira, na razão, no bom senso, e porque não também no ser humano.

A Ordem dos Advogados do Brasil, em cada Estado, tem essa prerrogativa. É o quinto constitucional, o quinto das cadeiras dos Tribunais de cada Estado que deverá ser preenchido por membros da OAB ou do Ministério Público.

Mas como essa mecânica funciona?

É importante conhecer a composição dos Tribunais de Justiça no Brasil para compreender um pouco mais acerca do quinto constitucional a qual os Advogados e membros do Ministério Público têm direito.

A composição dos Tribunais de Justiça é prevista no art. 92 da Constituição Federal. Porém, é o art. 94 que prevê um quinto dos lugares nos Tribunais para serem preenchidos por Advogados e membros do Ministério Público.

Essa sempre foi a regra. Desde a Constituição de 1967, a Emenda n.º 1 de 1969, de 1946 e de 1934, o objetivo era claro: mesclar os conhecimentos dos Advogados mais experientes, que atuavam por muitos anos e conheciam bem a população, mesclar o juízo de valor nas decisões da Corte, promovendo a oxigenação, deixar de lado um pouco a rigidez e o positivismo mecânico do ordenamento jurídico, originando decisões a partir de debates ainda mais enriquecidos na interpretação jurídica de cada conflito.

Estes profissionais, Advogados ou membros do Ministério Público devem ter mais de dez anos de exercício profissional, seja ele público ou privado.

Historicamente se conhece este instituto como mais uma das inovações de Getúlio Vargas. Uma idéia corporativista, inserida na Constituição de 1934, art. 104, § 6º:
“Na composição dos Tribunais superiores serão reservados lugares, correspondentes a um quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados, ou membros do Ministério Público de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos de lista tríplice, organizada na forma do § 3º.”

A Carta Magna Brasileira determinou que a escolha fosse realizada através da escolha sêxtupla, consoante prevê os art.s 94 e 104, não sendo mais tríplice, como anteriormente era praticado.  

Ainda existe muita polêmica. Muitos contra, outros tantos a favor dessa mecânica de escolha, mas se consolidou o entendimento dos constitucionalistas, que defendem que sempre e sucessivamente mais um Advogado venha a compor o mais alto cargo da Magistratura do Estado.

A mesma Constituição ainda determina, através do art. 103, que a composição do Conselho Nacional de Justiça deverá ser composta por 02 (dois) Advogados e 02 (dois) membros do Ministério Público.

É imprescindível salientar que o Conselho Nacional de Justiça é o responsável pelo controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário, além da fiscalização dos deveres funcionais dos Juízes.

Por fim, e é o que me faz acreditar na consolidação da regra e indiferença às possíveis controvérsias de que o entendimento constitucionalista atual é majoritário, considerando ainda a tramitação no Congresso Nacional da proposta de Emenda Constitucional 96-A-92 que propõe a retirada dos Tribunais na escolha do quinto constitucional. O que quer dizer que, caso seja aprovada esta indicação, passará a ser de exclusividade da classe que indica através de lista tríplice diretamente ao Executivo.

Estes traços são apenas para conhecer o processo de escolha do representante da OAB/BA que irá vir a tornar-se Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

É neste momento que o Advogado que vier a ser nomeado deixará o exercício profissional diretamente e entrará para o mais alto cargo da Magistratura do Estado da Bahia, contribuindo com sua experiência, sua reputação, seu olhar já não cristalizado dentro de uma ótica positivista mecânica, por sua vivência, sua razão, seu bom senso, sua moral, sua ética, seu bom caráter e sua honradez, além do pensamento primordial no ser humano, é recomendado ainda que o escolhido tenha experiência em administração de conflitos e participação em órgãos colegiados.
Estamos às vésperas de mais uma escolha, e a OAB/BA já está analisando os inscritos que irão compor a Lista Sêxtupla. Este é o momento para que conheçamos cada um deles:

1.    Claudete Maria Kramel
2.    Custodio Lacerda Brito
3.    Graciliano José Mascarenhas Bomfim
4.    Luiz Machado Bisneto
5.    Maria Sampaio das Mercês Barroso
6.    Mauricio Kertzman Szporer
7.    Oscimar Alves Torres
8.    Paulo Sergio Damasceno Silva
9.    Pedro Barachisio Lisboa
10. Raimundo Sergio Sales Cafezeiro
11. Renato Gomes Da Rocha Reis Filho
12. Ricardo Luiz De Albuquerque Meira
13. Roberto Maynard Frank
14. Ronaldo Melo Martins Da Costa
15. Sergio Barrradas Carneiro
16. Sergio Neeser Nogueira Reis

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Comentários as Súmulas Vinculantes 15 e 16 do STF, que versam sobre o Salário Mínimo e a remuneração do Servidor Público Municipal e Estadual

O Supremo Tribunal Federal aprovou as Súmulas Vinculantes n.ºs 15 e 16, em 25 de junho de 2009, que são a reafirmação da orientação jurisprudencial daquela douta corte onde era indicado às instancias da Justiça e da Administração Pública, em todas as esferas, que a remuneração do servidor público não pode ser inferior ao salário mínimo.

As Súmulas referenciadas foram propostas pelo Ministro Ricardo Lewandowski, a de n.º 15, conforme decidido no julgamento da Questão de Ordem no RE n.º 572.921, e a de n.º 16, consoante decisão no julgamento da Questão de Ordem no RE n.º 582.019. A primeira foi aprovada por maioria, e a segunda, por unanimidade.[1]

O entendimento consolida a interpretação de que, ainda que o vencimento seja inferior ao salário mínimo vigente, e que haja o acréscimo de abono que sirva de complementador para que o valor do mínimo federal seja atingido, não haveria ofensa ao artigo 7.º, inciso IV e 39, § 2.º da CF/88[2].

O objeto versado nas súmulas referenciadas trata do reflexo da elevação do salário mínimo dos servidores públicos estatutários, sobre a remuneração total.

O STF recomenda que não haja a equiparação dos vencimentos dos servidores públicos estatutários ao salário mínimo, haja vista que a remuneração total passa a ser considerada como o montante a ser levado em conta quando da sua comparação ao mínimo vigente.

É importante salientar que é notória a perda real dos servidores públicos estatutários, sendo as súmulas ora analisadas, desfavoráveis para grande parte dos beneficiários do salário mínimo para sobreviver.

Com a análise seguinte, pode-se observar a perda real do servidor com a consolidação jurisprudencial das súmulas ora analisadas:

Súmula Vinculante n.º 15 – “O cálculo de gratificações e outras vantagens não incide sobre o abono utilizado para se atingir o salário mínimo do servidor público”.

Considerando que um determinado servidor público municipal tenha uma remuneração total de R$ 659,32, constituída da seguinte maneira:

Descrição dos Pagamentos
Valores
Vencimento
R$ 622,00
Gratificação (6% do vencimento)
R$ 37,32
Remuneração total (mês)
R$ 659,32

Considerando agora a situação do mesmo servidor, e que, já em 2013, o salário mínimo venha a ser estipulado em R$ 660,00.

No caso hipotético, consoante a súmula ora analisada, o Município em deverá fazer incidir um abono complementar a remuneração para que ela possa atingir o mínimo estabelecido em R$ 660,00. Por tanto, a remuneração do servidor passaria a ser constituída consoante planilha seguinte:

Descrição dos Pagamentos
Valores
Vencimento
R$ 622,00
Gratificação (6% do vencimento)
R$ 37,32
Abono complementar ao mínimo
R$ 0,68
Remuneração total (mês)
R$ 660,00

O objetivo da Súmula Vinculante n.º 15, foi impedir que o cálculo referente a gratificação de 6% do servidor, no caso hipotético, viesse a ser baseado na soma do vencimento, acrescido do valor do abono complementar referenciado (novo valor do salário mínimo). É o impeditivo para que o valor da gratificação não seja acrescido sempre que houvesse variação do vencimento do servidor, ainda que fosse para acompanhar a atualização do valor do salário mínimo vigente.

Em síntese, a ideia era de que a gratificação fosse mantida em um determinado valor estático, sem alteração, evitando maiores ganhos ao servidor, haja vista que não haveria complementação do mínimo vigente, pois a única variação da remuneração do trabalhador estaria vinculada ao abono complementar para que esta atingisse o salário mínimo oficial.

Contudo, não passa a ser proibido à quaisquer Municípios ou Estados, exercendo sua autonomia, garantida pela Carta Magna, elabore lei de iniciativa do Prefeito, no caso analisado, ou de iniciativa do Governador, quando for o caso, fixando vencimento para os servidores no mesmo patamar gerado pelo salário mínimo oficial. No exemplo descritivo, R$ 660,00, para seus servidores do Executivo Municipal.

Súmula Vinculante n.º 16 – “Os arts. 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC 19/98), da Constituição, referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor público”.

O verbete em epígrafe consolida o entendimento de que a remuneração (vencimento + vantagens) não pode ser inferior ao mínimo, diferentemente do entendimento mantido por muitos, de que o vencimento seria o valor que deveria estar correspondente a análise em relação ao mínimo oficial.

Por tanto, atualmente, a remuneração, e não o vencimento, nunca deverá ser menor que o salário mínimo vigente.

Considerando o mesmo exemplo:

Um determinado servidor público com remuneração total de R$ 659,32, assim composta:
Descrição dos Pagamentos
Valores
Vencimento
R$ 622,00
Gratificação (6% do vencimento)
R$ 37,32
Remuneração total (mês)
R$ 659,32

Na incidência de aumento do mínimo nacional para R$ 660,00, no ano de 2013, o efeito jurídico dessa modificação para o servidor municipal analisado, será apenas a inclusão de um abono de R$ 0,68 para que seja atingido esse montante.

Descrição dos Pagamentos
Valores
Vencimento
R$ 622,00
Gratificação (6% do vencimento)
R$ 37,32
Abono complementar ao mínimo
R$ 0,68
Remuneração total (mês)
R$ 660,00

O que é vedada é a atualização automática do vencimento, vinculando esta ao mínimo nacional vigente.

A vinculação é inconstitucional, contudo mais favorável ao servidor. No caso hipotético de que este servidor pudesse ter o seu vencimento, e não a sua remuneração tomada por base para o cálculo do abono complementar ao mínimo vigente, o mesmo servidor passaria a ter o ganho real de R$ 699,60. O ganho real passaria a ser de R$ 39,60.

Descrição dos Pagamentos
Complementação da Remuneração
Complementação do Vencimento
Vencimento
R$ 622,00
R$ 660,00
(R$ 622,00 + R$ 38,00)
Gratificação (6% do vencimento)
R$ 37,32
R$ 39,60
Abono complementar ao mínimo
R$ 0,68
R$ 0,00
Remuneração total (mês)
R$ 660,00
R$ 699,60

Para que o ganho demonstrado seja possível, haverá a necessidade de que seja editada lei local (neste caso Municipal), promovendo a majoração do vencimento para R$ 660,00.
 
[1] www.stf.jus.br
[2] CF/88
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(..)
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
(...)
§ 2º A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados. 

Batista, Aline. Comentários as Súmulas Vinculantes 15 e 16 do STF, que versam sobre o Salário Mínimo e a remuneração do Servidor Público Municipal e Estadual. Salvador-BA. 22 de maio de 2012. Disponível em: http://alinebatistaadv.blogspot.com/